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Lidando com a dor

Image by Kristina Tripkovic

A dor da perda por suicídio é uma das mais duras porque vem acompanhada de uma série de desafios, entre eles, e talvez o principal, o de lidar com o estigma associado à morte voluntária. Quando alguém tira sua própria vida, o enlutado se vê numa situação ímpar, pois, além de lidar com sentimentos naturais do luto, como tristeza, choque, medo e ansiedade, ele se sente muitas vezes rejeitado por aqueles que não sabem como reagir.

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Em outros tipos de perda, é comum ouvir perguntas de amigos e familiares sobre o que aconteceu. Não é assim com o suicídio. A palavra em si carrega um peso tão grande que quando revelada, provoca um silêncio imediato, silêncio esse que acaba por alimentar a dor de quem ficou. 

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Um dos motivos por trás desse tabu está na percepção - nem sempre pertinente - de que a morte foi resultado de uma escolha. E é justamente a partir desta noção que nascem os julgamentos e emoções características do luto por suicídio.

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Vergonha e culpa

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Após um suicídio, duas perguntas invadem a vida dos enlutados: “por que”? e “E se…”? Ambas têm enorme potencial de gerar culpa naqueles que eram próximos. A busca por respostas é longa; o caminho, cheio de voltas. Para o enlutado, os últimos momentos juntos viram um filme Preto e Branco, com cada cena repetida à exaustão. “Será que se eu tivesse….”, “Como é que não vi” são questionamentos que surgem em meio ao choque.

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A culpa vem de dentro e de fora. Mesmo quando não é feita de forma direta, perguntas como “você não notou”? e “o que aconteceu”? são sentidas pelos enlutados. De repente, a esposa, os filhos, os amigos, todos parecem ser responsáveis. O suicídio gera culpados.

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No ambiente familiar, o mesmo acontece. A filha que não tinha uma relação próxima com o pai que morreu, por exemplo, pode virar a vilã da história. Essa reação pode ser bastante destrutiva porque ocorre num momento de fragilidade e dor. O luto requer apoio, compreensão e presença, por isso, é preciso ficar alerta para não nutrir o distanciamento das pessoas. O suicídio é provocado por uma série de fatores (ver Fatores de Risco); não há culpados.

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Raiva

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Esse sentimento é presente em outros tipos de morte, mas no caso do suicídio, há uma diferença: a raiva é direcionada também, e particularmente, a quem se foi. Ela cria um círculo vicioso. Como sentir raiva do morto não é visto como natural, ao nutrir tal emoção, o enlutado sente-se culpado, o que acaba por intensificar a raiva. Isso acontece bastante com casais. Se um deles tira a própria vida, o outro fica revoltado pelo impacto que a morte provocou nos filhos. A pergunta mais frequente é: “Como pôde fazer isso com eles”?

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Muitas vezes, a raiva permanece por anos porque há como resolver essa questão. Quem poderia fornecer respostas está longe do alcance. 

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A raiva também produz um sentimento de rejeição. É como se o suicídio gritasse a mensagem “você não foi suficiente” àqueles que ficam. Essa é uma das maiores fontes de sofrimento para familiares e amigos próximos. Muitos sentem que o amor compartilhado entre eles não fora o bastante para mantê-los vivos. 

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Tristeza

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Por que citar um sentimento que é comum a outros tipos de morte? Porque no suicídio, em algumas situações, a tristeza demora a aparecer. O enlutado passa um bom tempo tentando compreender o que aconteceu. Entre o choque, a culpa, as perguntas sem respostas e o isolamento, a tristeza muitas vezes se faz presente de forma camuflada, aparecendo como fatiga, distúrbios do sono e outros sintomas físicos e psicológicos. Se a raiva fizer parte do luto, a tristeza pode ser adiada por um período ainda mais longo. Uma coisa é certa: ela virá.

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Medo da hereditariedade

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Esse temor acontece entre familiares e pode se manifestar de duas formas: produzindo medo ou servindo como catalizador para que membros da mesma família fiquem mais atentos e cuidadosos uns com os outros. A dinâmica muda. O lado positivo é que o suicídio pode aproximar esses indivíduos, abrindo espaço para o diálogo sobre o ocorrido.

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Por outro lado, o medo em excesso pode elevar a vulnerabilidade de pessoas com histórico de transtornos mentais, particularmente depressão e ansiedade. É importante saber que, embora familiares tenham maiores chances de morrer por suicídio, pesquisas mostram que inúmeros outros fatores impactam nessa questão. Ter conhecimento sobre tais riscos pode servir como alerta.

Como ajudar

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  • Aproxime-se - Um erro comum é partir do princípio de que os enlutados querem ficar sozinhos. A única maneira de saber o que eles precisam é perguntar, delicadamente. Eis um exemplo:  “Não tenho como saber o tamanho da sua dor ou o que é melhor para você nesse momento, mas gostaria de ajudá-la(o). O que posso fazer”?

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  • Ofereça algo prático - Assim como acontece em outros tipos de morte, os familiares estarão se sentindo sobrecarregados. Uma forma de ajudar é se responsabilizar por tarefas específicas, como levar filhos à escola, fazer compras, cuidar dos filhos e trazer comida.

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  • Fique por perto - Mesmo que a pessoa diga que prefere ficar sozinha, ligue de vez em quando, envie mensagens curtas, mantenha algum tipo de contato. A ideia é oferecer apoio. No momento certo, a pessoa sairá do isolamento.

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  • Acolha instabilidade e mudanças - Durante o processo de luto, ninguém está em seu normal. Saiba que haverá momentos de flutuações de humor. Respeite tais oscilações como naturais.

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  • Evite clichés - Mesmo com as melhores das intenções, não utilize afirmações do tipo “tudo vai ficar bem”, “ele(a) está num lugar melhor” ou “você é forte, vai superar essa dor”. A verdade é que o enlutado tem um longo caminho pela frente e o que ele precisa é saber que tem com quem contar. Em resumo: se você não tem como garantir o que diz, não diga. Melhor optar por algo que esteja ao seu controle, como por exemplo: “se achar que tá demais, me ligue”.

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  • Fale sobre o morto - Há uma crença de que falar de quem morreu aumenta a dor de quem fica. No caso de suicídio, o oposto pode ocorrer porque como dito anteriormente, existe um tabu acerca do assunto. As pessoas se calam, alimentando a vergonha e a culpa. Lembrar de momentos juntos, da personalidade da pessoa, ou qualquer referência que seja pode ajudar no processo de luto. Uma boa dica é falar da vida, não da morte.

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  • Aborde o luto sem rodeios - Não tenha medo de perguntar como a pessoa está. Há grandes chances de você ser uma das poucas pessoas que têm coragem de fazê-lo. Eis algumas ideias:

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“Não quero ser intrusivo, mas gostaria que soubesse que se precisar falar sobre esse momento, estou à        disposição”.

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“Como você está hoje? Deve ser difícil falar de sua perda, mas se quiser conversar, estou aqui”. 

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Caso não saiba o que perguntar em relação ao luto, seguem sugestões:

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- Como passar do tempo, o que está ficando mais difícil / fácil?

- Quais são os principais desafios?

- O que te ajuda a se sentir melhor?

- Como sua família e amigos lidam com o fato de ter sido suicídio? (é importante falar do suicídio diretamente porque ajuda a combater o tabu).

- Sente-se isolada(o)? Tem apoio?

- Como tem cuidado de você? 

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  • Aceite o ritmo do outro -  Quando se trata de luto, cada um reage de forma diferente, inclusive em relação ao tempo. Um dos fatores que afastam o enlutado das pessoas é eles sentirem que há cobranças sobre como eles deveriam estar. Frases do tipo “Já está em tempo de…” ou “Mas já faz X meses” devem ser evitadas.

Para enlutados

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  • Procure amigos que sabem ouvir - Não é todo mundo que consegue lidar com a dor do outro, mesmo que seja de alguém querido. Saber separar o joio do trigo pode ser fundamental em seu processo de luto. Evite pessoas - mesmo as próximas - que julgam o que aconteceu. O que vai te ajudar é ser ouvido sem afirmações de certo e errado. O luto é um processo de cura física e emocional, portanto, seja seletivo em relação a quem participa desse período de sua vida.

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  • Evite tomar grandes decisões - Às vezes você pode se sentir pressionado a fazer grandes mudanças, como vender a casa ou pedir demissão, na tentativa de ‘tocar a vida’. Esse não é um momento de dar grandes passos. Haverá tempo para tais decisões.

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  • Prepare-se para o distanciamento de algumas pessoas - Isso pode soar duro demais, mas é natural que alguns amigos e familiares se distanciem. Eles não fazem isso por mal ou porque não te querem bem. O suicídio desorienta as pessoas, ninguém sabe o que dizer ou como agir, por isso, alguns se afastam. É doloroso, mas é a realidade.

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  • Evite esconder que foi suicídio - O estigma atinge a todos, inclusive os enlutados. É difícil, mas ao encobertar o suicídio, você estará contribuindo com o fortalecimento do tabu. Além do mais, provavelmente todos sabem o que aconteceu. Ao evitar a palavra, você dificultará a comunicação, algo que pode ser benéfico a todos.

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  • Religião e espiritualidade - O suicídio pode afastar as pessoas de suas práticas espirituais ou religiosas, principalmente se for condenado pela comunidade da qual participa. Vá com calma e respeite seu ritmo. Talvez precise de tempo para se engajar em encontros coletivos, mas se for importante para o seu luto, não abra mão do que te faz bem. Apenas siga a primeira regra aqui mencionada: selecione sua companhia.

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  • Procure ajuda profissional - Mesmo que tenha amigos com quem falar sobre o luto, caso ache que está demais, procure um profissional de saúde mental (psicólogo, psicanalista, psiquiatra). Eles são treinados para te ouvir com compaixão e empatia. Não se envergonhe de buscar ajuda.

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  • Leia sobre experiências similares - Há vários livros sobre luto de suicídio (ver o link Livros). Por mais que sua situação seja única, esse tipo de leitura ajuda a diminuir a sensação de isolamento.

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  • Procure um grupo de apoio - Várias cidades oferecem esses grupos. A grande vantagem é que não há julgamentos entre pessoas que perderam alguém para o suicídio. Nesse tipo de espaço você encontrará indivíduos que sabem o que você está passando. 

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  • Seja gentil consigo próprio - Esqueça a ideia de que há fases ‘normais’ de luto. Seu processo é único. Não existe maneira certa ou errada de traçar esse caminho, portanto, não se cobre demais. Cuide-se com atitudes simples: dê uma caminhada, ouça música, escreva sobre o que está sentido, alimente-se bem, e principalmente, se cerque de pessoas que sabem ouvir e se calar no momento certo. Não se isole.

Materiais e links úteis

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  • Manual da ONU: Prevenção do suicídio: um manual para profissionais de saúde em atenção primária.

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